sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Biblioteca: Maria Letícia Fonseca Barreto

A Casa que eu Sou
Maria Letícia Fonseca Barreto

“Quero ser uma casa grande e branca, na beira da estrada, onde muitos passam.

Quero, na minha casa, uma cozinha alegre e arejada, com um cheiro bom de pão convidando os que têm fome.

Quero redes na varanda para receber os corpos cansados dos que andam sem rumo e se perderam no caminho… aqueles que ainda não conseguiram construir a sua casa.

Quero flores, risos de crianças e muita música na minha casa – na casa que sou eu – para alegrar tristes e desesperados.

Quero ser uma casa grande e branca, de portas sempre abertas – uma casa chamada “Vila Fé, Esperança e Amor”.

Estou construindo essa casa – ela ainda não é tão grande como eu desejaria, nem tão branca. Minhas mãos estão calejadas, minhas pernas cansadas, meu coração com taquicardia… Compreenda: dá muito trabalho cuidar de uma casa grande e toda branca, ainda em construção e já em reforma! Sempre encontro teias de aranha em algum canto.

Eu quis uma casa na beira da estrada: tenho que espanar tudo todos os dias… Às vezes me distraio e a sujeira se acumula… Eu tenho alergia por poeira!

As pessoas que entram pela casa adentro, nem sempre são cuidadosas. Algumas me ferem. Já me bateram e cuspiram na minha sala – pessoas que eu queria acolher, que eu queria amar e que eu queria que gostassem de mim. Estragaram minha casa e agora há muita coisa a consertar. Não tem importância: minhas portas continuam abertas.

Na casa que sou eu, também há um porão. Um porão sombrio, onde só entro de vez em quando. Tenho medo e sinto frio quando estou lá. Quase sempre peço alguém para ir comigo. Já achei muita coisa boa no meu porão, que serviu pra muita gente. Achei até peças antigas, preciosas, que hoje enfeitam minha sala, a sala das visitas. Mas achei também muito traste, muita coisa ruim, coisas que só serviam para ajuntar ratos e baratas. Foi pesado carregar essas coisas e jogar fora. E eu sei que lá ainda há muito lixo. É uma tarefa enorme e muito difícil limpar o meu porão… Ele é grande, do tamanho de minha casa. Eu apenas comecei a faxina.

Quero ser uma casa grande, branca e limpa. E vou ser. Um dia.

Tenho uma amiga chamada Tereza que se descreveu como um castelo de muitos quartos, um castelo de cristal. Quando a Luz o invade inteirinho, refulge em mil cores. (Santa Tereza d’Ávila)

Espero um dia estar com ela em seu castelo, por alguns instantes. Eu não sou castelo de cristal. Sou apenas uma casa grande e branca. Não quero ser mais do que posso. Também não deixo por menos: quero ser a casa branca mais bonita que eu puder construir e conservar.

Minha casa está sempre aumentando. Se lhe falo de mim, pessoalmente ou por escrito, estou fazendo pra você um quartinho especial, com flores na janela. Estou aumentando a minha casa pra você. Se você quiser ou precisar de um pouco de música, de uma rede ou de um pedaço de pão, venha: na minha casa há um cantinho pra você.

Pode ser que encontre a casa um pouco desarrumada. Pode ser até que só pão velho eu tenha para lhe oferecer. Mas a casa vai estar lá, sempre à sua espera: nem chuva, nem vento, nem enchente, nem tempestade, nem furacão conseguirá derrubá-la

porque está sobre a rocha;


porque mora comigo um amigo que me ajuda e nunca falha;

um amigo cujas palavras escuto e procuro por em prática;

por isso eu sei que minha casa é eterna

e um dia será para sempre

grande, branca, alegre e florida,

permanentemente em festa,

num lugar onde um outro amigo chamado João

disse que há muitas moradas,

todas cheias de luz.

Espero, amigo, que nós sejamos vizinhos:

eu convidarei você pra minha festa

e você me deixará participar da sua festa, na sua casa,

diferente da minha, mas igualmente alegre e bonita,

acolhedora e eterna como todas as casas

em que moram, para sempre, os que aprenderam amar.


Ocasião interessante, mas o texto acima é da saudosa Maria Letícia que faleceu há cinco anos e a veiculação veio gentilmente por intermedio de sua filha a também Escritora Laura Barreto que tem seus textos postados em seu SITE.

Castelo do Poeta
twitter: @castelodopoeta

TEXTO CEDIDO E AUTORIZADO POR LAURA BARRETO

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